Se o meu avô fosse vivo hoje fazia anos.
Se ele fosse vivo, hoje jantaríamos todos juntos, provavelmente até almoçaríamos todos juntos. Se ele fosse vivo as coisas seriam diferentes, seriamos mais unidos, estaríamos mais tempo juntos, esforçamos-nos-íamos mais. O amor cola as pessoas umas as outras, cria laços invisíveis, que quando ele era vivo não reparávamos. É que de todos nós, posso dizer com certeza, que o coração dele era o maior de todos!
Então, desde ontem que me dediquei a lembrar-me do meu avô. Dizem que as pessoas de quem gostamos muito ficam vivas em nós pelas memorias que temos delas e eu decidi seguir isso à risca hoje. Não posso por obviamente aqui todas as memórias. Há fragmentos de histórias que só me lembro às vezes, pequenos detalhes que sem razão aparente me vem à memoria em alturas inesperadas e que depois se voltam a desvanecer!
A maior parte das memórias são obviamente na Maçã, um dos meus sítios preferidos!
Os dias de verão passavam-se sempre da mesma maneira, acordar e ir a correr para a cama dos meus avós, lutar com a minha prima para ver quem chegava primeiro! A mesa do pequeno almoço sempre posta com todas as coisas que nós gostávamos, a minha avó a passear com a tesoura das rosas na mão, o avô a ler o jornal ou agarrado a um qualquer livro de historia. O andar de bicicleta para cima e para baixo, sempre à espera da hora de podermos ir para a piscina, a mesa cheia de gente à hora de almoço, as férias Constança, os bolicaos com os cromos do Baywatch seguido de um episódio do mesmo. Mais piscina, mais bicicleta, competição de baloiços no final do dia a ver qual era a sombra que chegava mais acima, jantar a ver quem não ia parar à direita da avó, pedir permissão para se levantar da mesa e ir brincar. Lutar para sentar nos braços das cadeiras entre o avô e a avó. Saber que todos os dias iam ser invariavelmente assim...Os mesmos cheiros, as mesmas cores, a mesma alegria, dias de sol lá fora, dias de chuva cá dentro a ver os mesmo desenhos animados da Disney vezes e vezes sem conta.
O meu avô nunca foi de falar muito, nunca foi de ralhar, de se meter, de dizer que não podíamos ou não devíamos. Nunca foi de muitos abraços e beijinhos também. Mas estava ali, ele e o coração dele sempre com um sorriso, um olhar de compreensão quando estávamos a ser castigados, poucas palavras que faziam todo o sentido!!
A única memória que tenho dele ter ficado doente (ele esteve doente durante muitos tempo) é o facto de não irmos buscar o charuto depois do jantar. A partir de certa altura, que não me lembro qual, deixamos de ir buscar o charuto e só anos mais tarde é que me apercebi o que isso quis dizer!
Lembro-me que no Verão em que ele se foi embora, já nós não íamos à quinta à muito tempo porque éramos crescidos e tínhamos os nossos amigos e as nossas coisas para fazer, estávamos a dar um passeio depois do jantar e ele contou-me a historia de como tinha conhecido a minha avó, 52 anos antes. Havia amor, carinho, respeito, adoração até ("a tua avó é uma grande mulher"), mesmo com todos os momentos maus, que todos conhecemos, ele ainda pensava assim. Nessas férias, eu estava a ler um livro da MRP e havia uma parte em que ela dizia que Deus leva primeiro as melhores pessoas, porque são aquelas que Ele mais gosta. Eu achei que aquilo fazia sentido (para variar deu-me para chorar) e perguntei ao meu avô o que é que ele achava. Ele olhou por cima do jornal e não deu importância nenhuma ao assunto, disse que não fazia ideia...eu fiquei chateada por ele não ligar!
Depois destes anos todos e de já ter perdido outras pessoas, acho que não nos cabe julgar o porque Dele levar primeiro umas pessoas e depois outras. Há uma justiça qualquer que nunca vamos perceber e que realmente não tem importância. O meu avô tinha razão...
Lembro-me da pele das mãos, muito suave, do toque do bigode, do chapéu, do quanto ele gostava de amarelo, da paixão que ele tinha por umas pernas bonitas (nunca conheci mais ninguém que gostasse assim de pernas), dos almoços na Colina, da alegria quando eu escolhi o curso, da posição das cartas sempre desarrumadas quando jogávamos Canasta, do ressonar, do interesse infantil por coisas que ele não dominava como os poemas de Camões ou Inglês, dos problemas em decifrar qual das Cleopatras fez o quê e quando! Já não me lembro do cheiro, às vezes ainda abro a porta do armário do meu quarto em casa da minha avó para tentar senti-lo, mas já lá não está.
Nos dias em que sonho com ele, sonhos quase reais (os meus costumam ser sempre assim), acordo a achar que ele ainda cá está e por breves segundos as coisas fazem todas muito mais sentido.
Obviamente que não posso mentir e dizer que me lembro dele todos os dias, não lembro. Com o tempo até das datas importantes nos vamos esquecendo. Mas quando olho para a frente, para o caminho que quero seguir e para a pessoa que tento ser todos os dias, sei que há bocadinhos do meu avô em todo lado. Acho que essa é a melhor maneira de o lembrar...
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