- Podia-te dizer que tudo se tinha passado rápido demais, que tinha sido um impulso, um desejo passageiro, mas a verdade não é essa, nunca fui pessoa de impulsos, sempre tive a minha lição mais do que estudada. Não foram faiscas e relâmpagos, construiu-se lenta, vagarosamente, um dia depois do outro, sem se apressar. Conversa após conversa, um estar só porque sim, um olhar seguido do outro, obscuro sob a capa de normalidade que mostrávamos perante aquele mundo sempre tão atento. Não havia transgressão, não havia pecado - importantíssimo para quem nisso acredita -, estava tudo correcto e esteve, até deixar de o estar.
Um dia, mentiria-te se dissesse malfadado, sob outras diversas mascaras que pomos para fingir que não somos a pessoa que tanto queremos ser, a oportunidade apareceu, os astros alinharam-se e empurraram-nos para uma situação da qual não quisemos sair.
As questões que estiveram presentes durante todos aqueles meses de aparente inocência, lá continuavam, a minha educação nortenha recta aborrecia-me muito mais do que o discurso do "pecado" que as freiras que viviam comigo permanentemente me davam, mas tinha acontecido e não podia, e sinceramente nem eu queria, que fosse apagado ou esquecido.
Por isso chegou o dia dos pratos limpos, da conversa, o dia em que tinha planeado dizer-lhe que não éramos estas pessoas, que tínhamos de esperar por um futuro que podia ou não acontecer, atirar os dados ao ar e aguardar o resultado. Nesse dia ia-lhe dizer que não éramos essas pessoas, que havia demasiado em jogo, que a linha que não podia ser cruzada era esta, estava já aqui. Queria alegar que uma relação que começa assim não podia acabar bem, que não era justo para a beleza do que sentíamos um pelo outro e que acima de tudo, não podia fazer sentido neste momento. Como alternativa, a partir desse dia, ficaríamos na vida um do outro como conhecidos, encontrar-nos-íamos casualmente na rua e viveríamos separados por esta aparente normalidade. Tinha tudo ensaiado, pronto debaixo da língua, e estava em paz com essa decisão, muito mais em paz do que com as suas alternativas: ser a outra por tempo indeterminado ou virar a minha vida toda do avesso e fugir com ele, um marido, pai que iria abandonar uma filha de meses. E com isto em mente, sentei-me naquele cruzamento e esperei que ele aparecesse.
- E depois avó, o que é que aconteceu?
- Depois ele apareceu. Saiu do carro e sem dizer uma palavra, beijou-me. Não consegui dizer nada do que tinha preparado, nem uma palavra. Entrei no carro e fugimos. E tudo aquilo que eu sabia que ia acontecer, aconteceu. Demorou anos, mas destruímos toda a beleza do que sentíamos um pelo outro com a pressão do que tínhamos deixado para trás. Foi tudo demasiado grave, sério e sofrido para todos os intervenientes da historia, para algo bonito poder sobreviver. Fizemos dos nossos filhos danos colaterais de um amor que devia ter sido evitado. E pior, no final percebi que o teu avô era essa pessoa, sempre foi, eu é que não quis ver porque assim que o visse teria de assumir que eu também o era.
Quanto mais acreditarmos que somos felizes venha o que vier, menos nos preocupamos com o que há-de vir.
Moments that could be mine
Mostrar mensagens com a etiqueta Criatividade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Criatividade. Mostrar todas as mensagens
terça-feira, 12 de maio de 2020
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Histórias
Saí da luz artificial e do ar condicionado para estar um ano fechado com outros trapos velhos. De mansinho pus-me a jeito para ser a opção única quando abriste a porta. Juras-te que só iria eu, porque o final da noite seria a dançar até de manhã. Mentis-te, simplesmente não havia outra justificação que uma senhora pudesse dar. Mas assim que me sentiste, sorriste baixinho e pensaste: quero ver como é que te safas desta hoje!
Não precisava sequer de estar tão junto a ti como estava, para sentir o teu pulsar. O doido do teu coração batia desenfreado, música após música, garfada após garfada.
A portada fechou-se e o elevador subiu, pacatamente, até ao décimo andar. Enquanto subiamos o teu pensamento alternava entre a incredulidade, a tua ingenuidade a vir ao de cima dada a óbvia situação, e o desejo, vontade pura e crua de jogar outra vez. Feijões e moedas de cêntimo, como sempre.
Quando te vi sentada no canto da cama, com os pés descalços na alcatifa bege, pensei que perderias a paciência. Afinal jogar sim, mas só se for como tu queres. E então levantaste-te, último recurso, e deixaste-me a mim entrar em campo e fazer aquilo para que fui feito. Por momentos duvidaste das minhas capacidade, uma ofensa que ignorei. Eu, que estive fechado todo aquele tempo, não ia perder esta oportunidade.
Quando cai finalmente no chão, olhei para ti e ri-me do fervor com que tudo acontecia diante dos meus olhos. Paixão! Os feijões e as moedas se cêntimo foram a vida deles, e fizeste um all in. A roleta rolou e tu apostaste tudo, sem parares para pensar durante uma fracção de segundo sequer! Criança ingênua apaixonada, devias saber que podias ficar sem cartas, pior ainda ficar sem as mãos, os dedos, os anéis, as unhas...tudo! Afinal when God wants to punish us, He gives us what we want.
Durante 15 minutos observei-te, a maneira como davas o teu corpo e coração, a devoção com que o olhavas e tocavas...estava tudo errado, mas só te o disse depois, no carro quando estávamos sozinhos. Sabia que não ia voltar a estar contigo, mais valia deixar-te estar.
Passaste para o espelho, e voltas-te a sair, nua, tinhas exposto todos os teus sentimento ali, tudo o que é teu, não havia mais nada para dar. Deste demais! Quando tiveste coragem encaraste o verde dos olhos dele e vis-te, primeiro sem quereres ver, o que te tentei dizer assim que saíste do carro, não valia a pena.
Colaste-te de novo a mim, sentaste-te ao lado do corpo nu e não quiseste desistir, não já, não agora...por favor. Foi inglória a tua luta, mas um prazer ver-te lutar.
Quando voltei para a escuridão mereci. Usaste-me sem imaginares que iríamos chegar até aqui. A culpa não foi minha, mas aceito a tua reacção.
E quando há uma semana te perguntei de me querias na tua vida, preferiste não responder, adiar a decisão. Já passaram tantos anos desde que nos encontramos pela ultima (e única) vez, achas que podes fingir que não aconteceu? Fingir que eu sou apenas mais um vestido de cetim preto como outro qualquer? Usar-me agora, sem dor nem sofrimento? Eu não te vou fazer feliz, tu já és feliz, eu quero só partilhar mais momentos contigo.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Criatividade #7
Há 9 meses atrás não achei que fosse possível isto acontecer.
Parece que afinal nunca pensamos que pode acontecer connosco, mas pode...
Tenho 17 anos, uma menina no colo (eu, eu que sempre te disse que só queria rapazes), e devia sentir-me arrependida e culpada, como se o mundo me fosse cair em cima...afinal, estraguei a minha vida! Mas, por mais que eu olhe para baixo cada vez que os meus pais me recriminam, ou que os teus me chamam irresponsável (claro que tu não és, sou só eu!), a verdade é que eu não me sinto minimamente arrependida.
Olho para ela e só te vejo a ti, como é que me podia arrepender?
Claro que se eu pudesse escolher, não tinha escolhido assim, não nesta idade, não desta maneira. Se pudesse escolher tinha pensado, tinha ponderado, tinha até evitado...mas eu não pude escolher. Foi inevitável. Foi uma força superior a mim, uma frase seguida de um gesto, que derivou noutro e noutro...uma cadeia inquebrável e infinita, em que o meu cérebro se inundou completamente de tudo, de ti, de imagens, de palavras... Não se consegue parar a agua depois de se abrir a comporta da barragem. É impossível.
Ela dorme atrás de mim enquanto eu te escrevo isto. Respira devagar. É tão incrivelmente bonita.
Na escola chamaram-me nomes feios, disseram que eu era isto e aquilo, pintaram de preto e castanho coisas que para mim são laranjas e amarelas. Nunca respondi às provocações.
Seria impossível de explicar que não é nada disso que eles dizem, que onde eles vêem uma miúda de 17 anos grávida de alguém que nem sequer é namorado dela, eu vejo um acto de amor impensado, com uma consequencia demasiado grave. Na mesma...não me arrependo.
Não faço ideia como vamos ser nós daqui para a frente. Não sei sequer sei, se há nós...mas na verdade, nada disso importa. Eu tenho um filho teu e não me importo. Por mais absurdo que isso possa parecer, não me importo com o que me chamam, com o difícil que a minha vida vai ser, com o futuro...
Talvez eu não veja as coisas como as outras pessoas vêem, talvez a realidade seja outra, completamente diferente. Talvez eu mude de ideias e te odeie um dia. Talvez tu pares de cuidar de mim e deixemos de ser o que somos hoje, talvez o mundo se vire ao contrário por causa deste bebé... mas a realidade, a minha realidade agora é mais bonita, e tu nunca me desiludiste.
Mas, mais uma vez, talvez eu seja apenas uma criança de 17 anos.
Parece que afinal nunca pensamos que pode acontecer connosco, mas pode...
Tenho 17 anos, uma menina no colo (eu, eu que sempre te disse que só queria rapazes), e devia sentir-me arrependida e culpada, como se o mundo me fosse cair em cima...afinal, estraguei a minha vida! Mas, por mais que eu olhe para baixo cada vez que os meus pais me recriminam, ou que os teus me chamam irresponsável (claro que tu não és, sou só eu!), a verdade é que eu não me sinto minimamente arrependida.
Olho para ela e só te vejo a ti, como é que me podia arrepender?
Claro que se eu pudesse escolher, não tinha escolhido assim, não nesta idade, não desta maneira. Se pudesse escolher tinha pensado, tinha ponderado, tinha até evitado...mas eu não pude escolher. Foi inevitável. Foi uma força superior a mim, uma frase seguida de um gesto, que derivou noutro e noutro...uma cadeia inquebrável e infinita, em que o meu cérebro se inundou completamente de tudo, de ti, de imagens, de palavras... Não se consegue parar a agua depois de se abrir a comporta da barragem. É impossível.
Ela dorme atrás de mim enquanto eu te escrevo isto. Respira devagar. É tão incrivelmente bonita.
Na escola chamaram-me nomes feios, disseram que eu era isto e aquilo, pintaram de preto e castanho coisas que para mim são laranjas e amarelas. Nunca respondi às provocações.
Seria impossível de explicar que não é nada disso que eles dizem, que onde eles vêem uma miúda de 17 anos grávida de alguém que nem sequer é namorado dela, eu vejo um acto de amor impensado, com uma consequencia demasiado grave. Na mesma...não me arrependo.
Não faço ideia como vamos ser nós daqui para a frente. Não sei sequer sei, se há nós...mas na verdade, nada disso importa. Eu tenho um filho teu e não me importo. Por mais absurdo que isso possa parecer, não me importo com o que me chamam, com o difícil que a minha vida vai ser, com o futuro...
Talvez eu não veja as coisas como as outras pessoas vêem, talvez a realidade seja outra, completamente diferente. Talvez eu mude de ideias e te odeie um dia. Talvez tu pares de cuidar de mim e deixemos de ser o que somos hoje, talvez o mundo se vire ao contrário por causa deste bebé... mas a realidade, a minha realidade agora é mais bonita, e tu nunca me desiludiste.
Mas, mais uma vez, talvez eu seja apenas uma criança de 17 anos.
domingo, 29 de maio de 2011
Criatividade #6
- Mãe, vou buscar o carro, pode ser? Está na hora de irmos embora. - Ouço o meu filho mais velho a dizer.
- Quando quiseres, querido.
Vejo-o a descer pela relva, entre as outras sepulturas.
- Demore o tempo que precisar. Mas vamos ter de ir embora. - Sorri.
Não sei como é que vou explicar ao meu filho que não me consigo mover. Que não imaginei a minha vida sem ti, fui apanhada desprevenida, e que estou sem chão, sem apoio, sem ajuda, sem nada.
Para ele tu sempre foste o tio mais porreiro, aquele miúdo grande com rugas, o que trazia sempre os jogos mais giros, que dava os presentes que os pais não achavam graça e que aparecia a qualquer hora, quando fosse preciso e mesmo senão fosse. Eras só o melhor amigo da mãe, o das muitas namoradas diferentes, que fazia a mãe rir, que falava à porta fechada quando os problemas eram sérios, e acalmava as discussões. Para ele eras só isso, uma parte da mobília da casa, que ele e os amigos adoravam, mas não davam importância demasiada.
Como é que eu lhe vou explicar que não posso sair daqui porque não sei viver sem ti. Que quando o pai dele morreu há 8 anos tu ficaste comigo, e o banco que éramos, eu, tu e o meu amor, aguentou-se só com duas pernas. Eu e tu, e agora?! Agora não sei o que fazer...
Aquilo que eu achei tantas e tantas vezes que era impossível aconteceu, eu mantive-te sempre comigo. Quando não conseguimos gostar um do outro, quando me apaixonei por ti e não deu, quando a amizade parecia impossível, quando conheci o que foi meu marido durante 40 anos, depois de casada, com os filhos, a tratar dos netos... Na minha vida cheia, e havia sempre espaço para ti, sempre tempo para uma conversa e mais um lugar à mesa.
O amor toma contornos que nunca vamos saber explicar. Eu amei-o durante todo o tempo que estivemos casados, nunca duvidei, nunca vacilei, nunca ponderei, e quando ele se foi embora a dor foi insuportável, tu viste, mas estavas comigo, e nada podia ser assim tão mau se tu te estivesses comigo.
Os fracos de espírito, mesquinhos, más línguas, os pequeninos seres que muitas vezes cruzavam a nossa vida diziam entre dentes que o nosso "caso" era visível, que o meu marido era "corno" e amigo do "amante da mulher"...lembraste o quanto nos riamos os 3 desses episódios? Dava galhofada para jantares inteiros quando os nosso reais amigos nos contavam mais uma triste cena do "diz que disse" que é a vida de tantas pessoas infelizes que não sabem o que é ter um amor, quanto mais dois. Vivem governados pela inveja, pelos padrões estereotipados do que deve ser vida e, como não conseguem compreender, julgam.
O caixão já desceu, tenho os olhos fixos onde tu estavas ainda agora e não consigo sair daqui. Como é que vou deixar-te, e ir-me embora? Como é que vou obrigar os meus pés a porem-se um em frente ao outro, virando-te costas para sempre?
Fui abençoada com pessoas maravilhosas na minha vida. Um marido que sempre compreendeu que eu não podia viver sem ti, que te aceitou desde o primeiro dia como fazendo parte de mim, e aprendeu a gostar de ti, porque se eu gostava tu eras de gostar. E um melhor amigo que, longe ou perto, esteve sempre aqui, mesmo nas horas impossíveis, independentemente de eu estar sozinha ou não, não interessava. Se rever bem, sei que as rugas que tenho à volta dos lábios (mais do que noutro sitio qualquer) são dos sorrisos e das gargalhadas que nunca deixei de dar. E tu estiveste cá em todas. E as lágrimas que patrocinaste (tantas também), são insignificante...na verdade, sempre foram. Ter-te comigo foi, e agora posso dizer com certeza, o que me fez ser o que sou hoje.
Talvez por isso eu não consiga ordenar ao meu corpo que saia daqui. Não sei como vai ser agora, daqui para a frente? Mesmo quando nos chateávamos eu sabia que podia voltar, e tu rias-te e dizias para eu não voltar a fazer, sabendo que mais tarde ou mais cedo eu, por medo, por rebeldia ou só porque era maluca, ia voltar a fazê-lo. Mas havia sempre uma maneira, uma possibilidade. E agora não há. Vou acordar amanha e tu não vais estar aqui, e depois de amanha também não, e assim, indefinidamente até eu ir ter com vocês. Dos meus dois amores sobrei eu, eu que sempre disse que queria ser a primeira. Não me deviam ter feito isto.
Vidro desce, o meu filho impacienta-se, tem onde estar e eu estou ainda aqui.
- Mãe, está a ficar frio. Vamos para casa, venha.
Não os queria tratar por você. Tu insistis-te. Eu estava errada, a confiança e a intimidade entre pais e filhos não é alterada pelo pronome que se usa. Acabou por ficar.
É final de Setembro, ele tem razão, está a ficar frio. Tenho que atravessar esta relva e deixar-te para trás. Só me apetece pensar que estás em casa à minha espera, sentado na sala com o tabuleiro das damas. Nós velhos, antes saiamos, íamos ao cinema, víamos coisas parvas, mas agora que as legendas vão ficando cada vez mais difíceis de ler, e o barulho cada vez mais difícil de suportar gostamos de damas. E eu sei que não devia, que devia encarar de frente que tu foste e não vais voltar, mas não consigo. Não hoje. Talvez amanha. Hoje estás em casa à minha espera, e vais passar o serão comigo a embirrar e a jogar às damas, dois velhos casmurros. Amanha logo se vê.
- Quando quiseres, querido.
Vejo-o a descer pela relva, entre as outras sepulturas.
- Demore o tempo que precisar. Mas vamos ter de ir embora. - Sorri.
Não sei como é que vou explicar ao meu filho que não me consigo mover. Que não imaginei a minha vida sem ti, fui apanhada desprevenida, e que estou sem chão, sem apoio, sem ajuda, sem nada.
Para ele tu sempre foste o tio mais porreiro, aquele miúdo grande com rugas, o que trazia sempre os jogos mais giros, que dava os presentes que os pais não achavam graça e que aparecia a qualquer hora, quando fosse preciso e mesmo senão fosse. Eras só o melhor amigo da mãe, o das muitas namoradas diferentes, que fazia a mãe rir, que falava à porta fechada quando os problemas eram sérios, e acalmava as discussões. Para ele eras só isso, uma parte da mobília da casa, que ele e os amigos adoravam, mas não davam importância demasiada.
Como é que eu lhe vou explicar que não posso sair daqui porque não sei viver sem ti. Que quando o pai dele morreu há 8 anos tu ficaste comigo, e o banco que éramos, eu, tu e o meu amor, aguentou-se só com duas pernas. Eu e tu, e agora?! Agora não sei o que fazer...
Aquilo que eu achei tantas e tantas vezes que era impossível aconteceu, eu mantive-te sempre comigo. Quando não conseguimos gostar um do outro, quando me apaixonei por ti e não deu, quando a amizade parecia impossível, quando conheci o que foi meu marido durante 40 anos, depois de casada, com os filhos, a tratar dos netos... Na minha vida cheia, e havia sempre espaço para ti, sempre tempo para uma conversa e mais um lugar à mesa.
O amor toma contornos que nunca vamos saber explicar. Eu amei-o durante todo o tempo que estivemos casados, nunca duvidei, nunca vacilei, nunca ponderei, e quando ele se foi embora a dor foi insuportável, tu viste, mas estavas comigo, e nada podia ser assim tão mau se tu te estivesses comigo.
Os fracos de espírito, mesquinhos, más línguas, os pequeninos seres que muitas vezes cruzavam a nossa vida diziam entre dentes que o nosso "caso" era visível, que o meu marido era "corno" e amigo do "amante da mulher"...lembraste o quanto nos riamos os 3 desses episódios? Dava galhofada para jantares inteiros quando os nosso reais amigos nos contavam mais uma triste cena do "diz que disse" que é a vida de tantas pessoas infelizes que não sabem o que é ter um amor, quanto mais dois. Vivem governados pela inveja, pelos padrões estereotipados do que deve ser vida e, como não conseguem compreender, julgam.
O caixão já desceu, tenho os olhos fixos onde tu estavas ainda agora e não consigo sair daqui. Como é que vou deixar-te, e ir-me embora? Como é que vou obrigar os meus pés a porem-se um em frente ao outro, virando-te costas para sempre?
Fui abençoada com pessoas maravilhosas na minha vida. Um marido que sempre compreendeu que eu não podia viver sem ti, que te aceitou desde o primeiro dia como fazendo parte de mim, e aprendeu a gostar de ti, porque se eu gostava tu eras de gostar. E um melhor amigo que, longe ou perto, esteve sempre aqui, mesmo nas horas impossíveis, independentemente de eu estar sozinha ou não, não interessava. Se rever bem, sei que as rugas que tenho à volta dos lábios (mais do que noutro sitio qualquer) são dos sorrisos e das gargalhadas que nunca deixei de dar. E tu estiveste cá em todas. E as lágrimas que patrocinaste (tantas também), são insignificante...na verdade, sempre foram. Ter-te comigo foi, e agora posso dizer com certeza, o que me fez ser o que sou hoje.
Talvez por isso eu não consiga ordenar ao meu corpo que saia daqui. Não sei como vai ser agora, daqui para a frente? Mesmo quando nos chateávamos eu sabia que podia voltar, e tu rias-te e dizias para eu não voltar a fazer, sabendo que mais tarde ou mais cedo eu, por medo, por rebeldia ou só porque era maluca, ia voltar a fazê-lo. Mas havia sempre uma maneira, uma possibilidade. E agora não há. Vou acordar amanha e tu não vais estar aqui, e depois de amanha também não, e assim, indefinidamente até eu ir ter com vocês. Dos meus dois amores sobrei eu, eu que sempre disse que queria ser a primeira. Não me deviam ter feito isto.
Vidro desce, o meu filho impacienta-se, tem onde estar e eu estou ainda aqui.
- Mãe, está a ficar frio. Vamos para casa, venha.
Não os queria tratar por você. Tu insistis-te. Eu estava errada, a confiança e a intimidade entre pais e filhos não é alterada pelo pronome que se usa. Acabou por ficar.
É final de Setembro, ele tem razão, está a ficar frio. Tenho que atravessar esta relva e deixar-te para trás. Só me apetece pensar que estás em casa à minha espera, sentado na sala com o tabuleiro das damas. Nós velhos, antes saiamos, íamos ao cinema, víamos coisas parvas, mas agora que as legendas vão ficando cada vez mais difíceis de ler, e o barulho cada vez mais difícil de suportar gostamos de damas. E eu sei que não devia, que devia encarar de frente que tu foste e não vais voltar, mas não consigo. Não hoje. Talvez amanha. Hoje estás em casa à minha espera, e vais passar o serão comigo a embirrar e a jogar às damas, dois velhos casmurros. Amanha logo se vê.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Criatividade #5

Não vejo Lisboa há mais de 5 anos.
A cidade da minha vida ficou para trás em detrimento de outros sonhos, outros mundos, outras vidas.
Saio do aeroporto sozinha, ninguém sabe que aqui estou. Na verdade, nem eu sei que aqui estou. Como tudo na minha vida, foi o impulso. Acordei de manha, olhei à volta e percebi que o meu trabalho ali estava feito. No entanto, ao contrario de tantas outras vezes antes, em que rumei a outro pais onde pudesse começar tudo outra novamente, desta vez cheguei ao aeroporto com a minha mochila e pedi para vir para casa.
É meio de Maio, o ar quente despenteia-me assim que as portas automáticas se abrem. Cheira ao mesmo, sabe ao mesmo...os autocarros são novos, amarelos, modernos!! Sigo até à paragem do 83 que antigamente, tal como agora noto, me leva na direcção de casa. Sento-me à janela para apreciar a viagem e penso em ti. Nas ultimas 16h não tenho feito outra coisa senão pensar em ti, nas saudades que tenho da tua voz, do teu sorriso e do teu abraço.
Nunca ninguém que abraçou como tu, sempre sôfrego, apertado, enorme. O meu tronco pequeno encaixado no teu peito como uma peça de Lego, a minha cabeça naquela covinha do teu ombro...é a última memória que tenho de Lisboa. E agora que finalmente voltei, sei que é por ela que aqui estou.
É dia de semana, posso assegurar pela poucas pessoas que estão a esta hora na rua. Lá de onde eu venho não há fins-de-semana ou dias de semana, as pessoas regem-se pelo nascer e pôr do sol, esperam apenas viver mais um dia no meio da pobreza e da doença, rezam por água, farinha e um milagre qualquer que lhes salve a vida dos filhos.
O sol salta de uma das colinas e faz-me piscar os olhos, o autocarro sobe e desce até me deixar finalmente em casa. A minha rua tem o mesmo movimento de sempre, talvez os vizinhos sejam diferentes? Ou o elevador já não seja de 1950?
Duas voltas à chave, abro a porta devagar e espreito. Sorrio. Claramente que a minha mãe vem cá com frequência. A casa cheira bem, a cama está feita de lavado apesar de ainda ter edredon e a minha roupa está impecável no armário, tal como eu a deixei para ir apenas um ano para África fazer voluntariado. De Africa passei para a América do Sul, de lá para a Indonésia e por fim para a Índia. Um ano facilmente passou para cinco, com a mesa rapidez que a minha mãe me deixou de perguntar quando voltava, os meus amigos esqueceram o meu e-mail e tu, o ultimo resistente apagaste-me porque já não podias esperar mais que eu descobrisse o que quer que fosse que andava à procura.
Pouso a mochila no chão. A mesma que levei, a mesma tu me deste antes de partir. Venho sem roupa ou qualquer outro objecto, deixo sempre tudo para trás quando me venho embora, a mim não me faz falta e houve pessoas que ficaram tão felizes.
Tiro uma toalha da gaveta ainda em piloto automático, entro no duche e tomo um banho rápido para tirar o cansaço da viagem. Abro o armário, não visto esta roupa há cinco anos, nem sei se ainda tem alguma coisa a ver comigo, ou se ainda me serve!
Calças de ganga, camisa branca, saiu de casa novamente com a minha mochila às costas.
Podia dizer que não sei onde vou, mas seria mentira. Sai da Índia para vir a tua casa. Por isso é que não disse nada a ninguém. Duvido até que alguém fosse compreender o porque de tamanha jornada. São quilometros que nunca mais acaba. E eu própria não compreendo o que é que me fez caminhar desta maneira até chegar aqui.
A noite está a cair quando entro a passo decidido pelo teu prédio a dentro. O porteiro cumprimenta-me como se me tivesse visto ontem "Boa tarde menina". Vacilo pela primeira vez. Olho para o relógio, claro que estás em casa. Sempre estiveste em casa a esta hora, é a tua hora sagrada antes do jantar. Entro no elevador, carrego no 7 e viro-me para o espelho. Vejo-te atrás de mim, a agarrares-me a barriga, a dares-me festinhas na cara, a beijares-me o pescoço e a pegares-me ao colo ainda antes de chegarmos lá a cima. Vejo a minha cara queimada do sol. Insegura. E se já não morares em casa dos teus pais? E se casaste, tens filhos, uma casa grande e um cão? Já não sei porque é que estou aqui...mas não vou voltar para trás sem descobrir. O elevador estremece, as mãos tremem-me, e as pernas também. Afasto a grade, e empurro a minha mão contra a porta fria. Não sei o que quero de ti, o que sinto por ti. Não sei nada...
Passado o que me pareceu ser uma eternidade, em que revejo tudo o que dissemos um ao outro desde a ultima vez que nos vimos, ponho o dedo na campainha. Espero. Ouço passos. A porta abre-se e tu estás à minha frente. 16horas da Índia aqui e tu estás à minha frente! O choque passa-te electrizante pelo corpo, não dizes nada. A mim, não me sai nada, mas pica-me o nariz das lágrimas que não deixo sair. Agarras-me a mão, puxas-me para ti e abraças-me como antigamente, como sempre.
Eu até sabia porque é que voltei. Voltei por isto, porque a agonia de mais um dia sem o teu abraço me pareceu impossível, porque não conseguia mais não te ver, não te tocar, não te sentir. Demorei 5 anos para perceber isto.
Viro a cabeça para a esquerda e encaixo-me na covinha do teu ombro. Caibo tão bem aqui...
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Criatividade #4

Levanto-me da cama e olho para o relógio. Já é tarde.
Junto a minha testa febril ao vidro da janela que me transporta directa para a Serra de Sintra, suposto refugio dos amantes, amantes como nós agora.
Acendo um cigarro silencioso, enquanto tu dormitas sobre o nosso depois.
Estou atrasada. Já é tarde.
Olho para o meu cenário e penso no grande nó que isto se tornou. Não me lembro de chegar aqui. Vinha inebriada por ti, diluída em ti, a querer-me abater sobre ti, desmesuradamente.
Cortinas de veludo sangue, cama redonda, alcatifa no chão, roupa espalhada por todo o lado e os últimos raios de sol a cobri-te as costas nuas, esculpidas à mão, apresentando as marcas do meu amor. Vejo-as daqui, finos vergões encarnados, e sorriu a meia haste, tu gostas e eu não consigo evitar.
Flashes de mim sobre ti, tu em todo lado, sobre todas as coisas, num momento de loucura temporária que não evitei, não quis e não consegui. Tenho medo deste desconhecido, deste terreno nunca antes pisado, medo do final, da ruptura, daquilo que fiz e da pessoa em que me tornei com um simples acto.
Junto a minha testa febril ao vidro da janela que me transporta directa para a Serra de Sintra, suposto refugio dos amantes, amantes como nós agora.
Acendo um cigarro silencioso, enquanto tu dormitas sobre o nosso depois.
Estou atrasada. Já é tarde.
Olho para o meu cenário e penso no grande nó que isto se tornou. Não me lembro de chegar aqui. Vinha inebriada por ti, diluída em ti, a querer-me abater sobre ti, desmesuradamente.
Cortinas de veludo sangue, cama redonda, alcatifa no chão, roupa espalhada por todo o lado e os últimos raios de sol a cobri-te as costas nuas, esculpidas à mão, apresentando as marcas do meu amor. Vejo-as daqui, finos vergões encarnados, e sorriu a meia haste, tu gostas e eu não consigo evitar.
Flashes de mim sobre ti, tu em todo lado, sobre todas as coisas, num momento de loucura temporária que não evitei, não quis e não consegui. Tenho medo deste desconhecido, deste terreno nunca antes pisado, medo do final, da ruptura, daquilo que fiz e da pessoa em que me tornei com um simples acto.
A minha consciência grita mais alto a cada metro que eu me afasto de ti, e continuo sem saber como é que vim aqui parar!
Já é tarde.
Começo a recolher a minha roupa do chão, tenho que me ir embora…
Já é tarde.
Começo a recolher a minha roupa do chão, tenho que me ir embora…
Abres os olhos para a tua parte favorita, enquanto eu tento juntar as ligas com as meias. Mas o meu corpo está já a entrar em ressaca de ti e as minhas mãos tremem imprecisas, tornando a tarefa demorada.
- Vem para aqui. Deixa isso.
Viro-me de costas para não te enfrentar, não te olhar nos olhos, o meu tom gela: “Não. Isto não vai voltar a acontecer”. Dor.
- Vem para aqui. Deixa isso.
Viro-me de costas para não te enfrentar, não te olhar nos olhos, o meu tom gela: “Não. Isto não vai voltar a acontecer”. Dor.
-Mas eu pensei...
Eu sei exactamente o que é que pensaste!
Sinto o sangue no antebraço a correr acelerado, coração na boca. Odeio-te. Odeio-te por teres estado anos sem saber, calado, entregue a outras pessoas, em outras moradas, por outros corpos. Odeio-te por me quereres agora, agora que eu não posso, agora, só agora.
Não enquanto éramos miúdos e brincávamos aos médicos, não enquanto passávamos noites a jogar Sega, não nas tarde que fingíamos que estudávamos, não enquanto fomos adolescentes e depois de termos experimentado tudo juntos pela primeira vez, não quando fomos morar para fora, não! Agora. Só agora é que percebeste o sentido que nós fazemos. Agora, que já não te consegues entregar a ninguém a não ser a mim, agora que não deixas ninguém entrar na tua vida porque ninguém é como eu, ninguém te conhece como eu, agora que não respiras e não vives sem mim, agora que é tarde demais…
O meu telefone acusa mensagem. Pegas nele com nojo e dizes com ar afectado: “Já dei de jantar às meninas. Estamos à tua espera. Beijinhos”.
Não enquanto éramos miúdos e brincávamos aos médicos, não enquanto passávamos noites a jogar Sega, não nas tarde que fingíamos que estudávamos, não enquanto fomos adolescentes e depois de termos experimentado tudo juntos pela primeira vez, não quando fomos morar para fora, não! Agora. Só agora é que percebeste o sentido que nós fazemos. Agora, que já não te consegues entregar a ninguém a não ser a mim, agora que não deixas ninguém entrar na tua vida porque ninguém é como eu, ninguém te conhece como eu, agora que não respiras e não vives sem mim, agora que é tarde demais…
O meu telefone acusa mensagem. Pegas nele com nojo e dizes com ar afectado: “Já dei de jantar às meninas. Estamos à tua espera. Beijinhos”.
Enfureces-me, tiro-te o telemóvel da mão violentamente, e corro para a porta. Preciso de não te ter aqui, preciso de pensar, preciso de parar e fugir. Não encontro a porta da saída, apesar dela estar a minha frente. O que é que eu fui fazer?
- Fica. Sabes que queres ficar comigo.
Nem sei o que te responder a isto. Mentir é muito pouco viável, basta olhares para mim para saberes que quero mesmo ficar, que contigo o mundo pará e nada mais importa.
- Não posso. Agora já não posso.
Sentaste calado na beira da cama, inclinas a cabeça e olhas-me nos olhos. Não podemos dizer mais nada, já passamos os limites que podíamos, já não nos conhecemos, não somos estas pessoas que os espelhos do tecto reflectem. Nós não fazemos traição, nunca fizemos...até hoje.
Acima de tudo fomos ingénuos. Pensámos que o meu papel assinado e reconhecido por entidades superiores iria impedir a sofreguidão do que fazíamos antigamente, que filhos e família eram barreiras intransponíveis à força de nós os dois juntos. E entramos, mais uma vez a juntar às tantas anteriores, pelo retorno dos melhores amigos, porque as coisas fazem mais sentido quando partilhamos a vida um com o outro, porque a tua relação, mais uma vez falhada tinha terminado e eu sou o teu eixo de sempre, porque tinham passado 4 anos desde a nossa ultima noite, perdidos de bêbedos no corpo um do outro a celebrar a minha despedida de solteira, e principalmente porque agora, era tudo diferente.
Ingénuos, tão ingénuos.
É tarde. Tenho as minhas filhas à espera em casa de um lado, e tu, o meu amor de sempre, sentado à espera do outro. E eu procuro a saída, aquela que me faça ultrapassar o amanha e o resto da vida. A saída impossível sem dor deste sitio perdido algures na Serra de Sintra, algures dentro de mim, algures...
Continuas a falar comigo calado, expectante pelo meu próximo passo, ansioso de mim, do meu corpo, do meu ser e de tudo o que eu te dou. Acredito até, algo confiante. Afinal, eu sempre voltei para ti.
- Não posso. Existem amores maiores do que o nosso. Não posso.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Criatividade #3
(Porque ontem a K. disse para tentar, vai no seguimento disto)
Nunca percebeste que te quis dar o mundo.
Dos 20 anos que vivemos juntos, e que para mim foram os melhores, os maiores, os mais bonitos e felizes, nunca percebeste que eu só te quis dar o mundo.
O meu mundo, aquilo que eu acreditava ser o melhor para ti, para nós, para aquilo que queríamos construir. A verdade é que o meu mundo não chegava para ti, era demais, sempre foi demais tudo o que te quis dar, tudo o que te dei.
20 anos de vida, 20 anos de doação plena e tu, inconsciente. Inconsciente da dimensão do meu amor por ti apenas porque eu nunca disse. Perdoa-me se achei que as vezes que olhava para ti a dormir, o jantar todos os dias na mesa, a tua revista preferida na mesa de cabeceira, a toalha mais fofinha no cabide, os silêncios durante os teus programas preferidos eram mais que suficientes para perceberes. Não, perdoa-me a sério, por não ter posto em palavras aquilo que os meus gestos diziam diariamente.
Mas a culpa foi minha. Fui avisada desde pequena pelos mais velhos que amar demais é errado. Esqueceram-se foi de me avisar que alem de errado era uma luta inglória dar o nosso mundo a alguém que não nos que dar o seu de volta.
Não quero que voltes. Não adianta vires apelar aos filhos e aos anos de vida em comum. Não adianta porque eu só quero que te vás embora, que desapareças da minha vida para eu recuperar o meu mundo e quem sabe, depois de todos estes anos tristes, dá-lo finalmente a alguém que mereça.
Não me interpretes mal. Não te desejo mal, miséria ou infelicidade. Pelo contrário, desejo-te tudo de bom o que alguém possa desejar a outra pessoa, mas longe de mim.
Sei que se ficares eu posso ceder, que me intoxicas como sempre fizeste desde a primeira vez que te vi entrar pelo café da rua a dentro, sorriso nos lábios como se o mundo fosse teu, pose de quem sabe o que diz e os olhos, os olhos mais profundos que alguma vez vi. Foram eles que me fizeram ficar tantas vezes, eles que te traíam quando tu apenas achavas que o silencio era suficiente para me calar.
E não é que me tenhas tratado mal durante estes anos de vida em comum. Não trataste. Apenas não me deste o teu mundo, não fizeste de mim a tua pessoa. Eu sabia no dia em que casamos, sabia e achei que mudavas, achei com a infantilidade dos 19 anos que o meu amor chegava para os dois. Tantas lágrimas depois percebo que não, percebo que até quando te esforças para pensar em mim, é sempre isso, um esforço. Não és tu, não te é simples como respirar, não te sai naturalmente.
“O que é que queres mais?” perguntas, quando eu te tento explicar isto juntamente com as malas à porta. Apenas te posso dizer que quero uma coisa que não me podes dar. Nunca pudeste. É só pena eu ter percebido isso tão tarde.
Tarde, mas não demasiado tarde.
Nunca percebeste que te quis dar o mundo.
Dos 20 anos que vivemos juntos, e que para mim foram os melhores, os maiores, os mais bonitos e felizes, nunca percebeste que eu só te quis dar o mundo.
O meu mundo, aquilo que eu acreditava ser o melhor para ti, para nós, para aquilo que queríamos construir. A verdade é que o meu mundo não chegava para ti, era demais, sempre foi demais tudo o que te quis dar, tudo o que te dei.
20 anos de vida, 20 anos de doação plena e tu, inconsciente. Inconsciente da dimensão do meu amor por ti apenas porque eu nunca disse. Perdoa-me se achei que as vezes que olhava para ti a dormir, o jantar todos os dias na mesa, a tua revista preferida na mesa de cabeceira, a toalha mais fofinha no cabide, os silêncios durante os teus programas preferidos eram mais que suficientes para perceberes. Não, perdoa-me a sério, por não ter posto em palavras aquilo que os meus gestos diziam diariamente.
Mas a culpa foi minha. Fui avisada desde pequena pelos mais velhos que amar demais é errado. Esqueceram-se foi de me avisar que alem de errado era uma luta inglória dar o nosso mundo a alguém que não nos que dar o seu de volta.
Não quero que voltes. Não adianta vires apelar aos filhos e aos anos de vida em comum. Não adianta porque eu só quero que te vás embora, que desapareças da minha vida para eu recuperar o meu mundo e quem sabe, depois de todos estes anos tristes, dá-lo finalmente a alguém que mereça.
Não me interpretes mal. Não te desejo mal, miséria ou infelicidade. Pelo contrário, desejo-te tudo de bom o que alguém possa desejar a outra pessoa, mas longe de mim.
Sei que se ficares eu posso ceder, que me intoxicas como sempre fizeste desde a primeira vez que te vi entrar pelo café da rua a dentro, sorriso nos lábios como se o mundo fosse teu, pose de quem sabe o que diz e os olhos, os olhos mais profundos que alguma vez vi. Foram eles que me fizeram ficar tantas vezes, eles que te traíam quando tu apenas achavas que o silencio era suficiente para me calar.
E não é que me tenhas tratado mal durante estes anos de vida em comum. Não trataste. Apenas não me deste o teu mundo, não fizeste de mim a tua pessoa. Eu sabia no dia em que casamos, sabia e achei que mudavas, achei com a infantilidade dos 19 anos que o meu amor chegava para os dois. Tantas lágrimas depois percebo que não, percebo que até quando te esforças para pensar em mim, é sempre isso, um esforço. Não és tu, não te é simples como respirar, não te sai naturalmente.
“O que é que queres mais?” perguntas, quando eu te tento explicar isto juntamente com as malas à porta. Apenas te posso dizer que quero uma coisa que não me podes dar. Nunca pudeste. É só pena eu ter percebido isso tão tarde.
Tarde, mas não demasiado tarde.
sábado, 9 de outubro de 2010
Criatividade #2

Olho para ti e não sei já há quantos anos entraste na minha vida. Quando é que eu te deixei entrar? Quando é que quiseste ficar? Como é que de repente construimos isto tudo juntos?
Sentada do alto da varanda do nosso quarto na cadeira de baloiço da minha avó, agarrada à minha barriga gigante, vejo-os a brincar na piscina e a saltarem do escorrega...exactamente as mesmas brincadeiras que eu fazia em miúda. Como é que os fizemos tão bonitos?
Ouço os teus passos vagarosos a subirem as escadas de mármore, um a um. Como sempre acontece quando sinto que te vou ver (mesmo depois destes anos todos) o meu coração dá um solavanco. Já não pára como antigamente acontecia (acho que isso é normal), no entanto, existe sempre este descompasso, ele sabe sempre que vais aparecer, mesmo que eu ainda não te tenha visto. Deve ser o teu cheiro. Tens um cheiro maravilhoso que me intoxica, característico e que só encontro em ti e nas coisas que tu tocas, em mais lado nenhum. Acredita, eu procurei mil vezes enquanto namorámos (achei durante meses que era o amaciador da roupa que a tua mãe usava) e outras tantas, nas vezes em que nos deixámos "para sempre", durante poucas semanas ou dias.
Entraste agora no corredor de madeira, o teu cheiro vem misturado com o dos livros antigos, aqueles de capa de pele que eu já li um por um, e que agora abro só pelo prazer de reler as passagens marcadas a lápis. Como é que eu consigo gostar tanto de ti? Não é possível isto ser normal. Por outro lado, eu nunca fui normal...e nem tu. O meu pai, do alto da sua sensatez (cada vez maior com a idade), diz que um dia este amor ainda vai acabar comigo, que quando olhamos um para o outro o mundo pára, e que não pode ser! Para ele um amor assim nunca pode ser, ele nunca entendeu porque é que eu esperava por ti, ainda antes de te conhecer, a procurar-te incansavelmente em todos os errados que passaram.
Abriste a porta do quarto, o teu cheiro entra agora em catadupa por todos os poros do meu corpo e eu sorriu-me sem tu veres. Estou a ver os miúdos! Sei que me vais abraçar e por as mãos na minha barriga assim que chegares perto e que ele se vai mexer com o calor das tuas mãos...sempre quentes. Afinal, está dentro de mim, sente mais de perto todas as coisas que eu sinto por ti e que não sei enumerar. Às vezes dou por mim a arranjar motivos para o tamanho deste gostar. Claro que além das coisas óbvias, como tu seres o melhor pai que eu podia ter dado aos meu filhos, há o resto, o resto que eu não consigo exactamente explicar. Não há porquês definidos, razões especificas, check lists. Há só o teu maravilhoso conjunto de defeitos e qualidades, equilíbrio perfeito entre o que me desespera e encanta. Há a maneira como nos adaptamos um ao outro, o encaixe quase cósmico do teu corpo no meu, o sermos piores pessoas quando estamos separados em oposição das sinergias múltiplas quando estamos juntos.
Já estás aqui. Finjo que não dei por ti, que não te senti, mas a minha pele arrepia-se ainda antes de me tocares e trai a minha aparente indiferença. Mesmo quando eu não quero mostrar o meu corpo teimoso faz-me isto...acho mal e não tenho como evitar ou dizer-lhe para se comportar.
Os miúdos continuam a brincar, indiferentes ao sol que desce rapidamente. Acho que já sei como é que os fizemos tão bonitos...são nossos!
Sentada do alto da varanda do nosso quarto na cadeira de baloiço da minha avó, agarrada à minha barriga gigante, vejo-os a brincar na piscina e a saltarem do escorrega...exactamente as mesmas brincadeiras que eu fazia em miúda. Como é que os fizemos tão bonitos?
Ouço os teus passos vagarosos a subirem as escadas de mármore, um a um. Como sempre acontece quando sinto que te vou ver (mesmo depois destes anos todos) o meu coração dá um solavanco. Já não pára como antigamente acontecia (acho que isso é normal), no entanto, existe sempre este descompasso, ele sabe sempre que vais aparecer, mesmo que eu ainda não te tenha visto. Deve ser o teu cheiro. Tens um cheiro maravilhoso que me intoxica, característico e que só encontro em ti e nas coisas que tu tocas, em mais lado nenhum. Acredita, eu procurei mil vezes enquanto namorámos (achei durante meses que era o amaciador da roupa que a tua mãe usava) e outras tantas, nas vezes em que nos deixámos "para sempre", durante poucas semanas ou dias.
Entraste agora no corredor de madeira, o teu cheiro vem misturado com o dos livros antigos, aqueles de capa de pele que eu já li um por um, e que agora abro só pelo prazer de reler as passagens marcadas a lápis. Como é que eu consigo gostar tanto de ti? Não é possível isto ser normal. Por outro lado, eu nunca fui normal...e nem tu. O meu pai, do alto da sua sensatez (cada vez maior com a idade), diz que um dia este amor ainda vai acabar comigo, que quando olhamos um para o outro o mundo pára, e que não pode ser! Para ele um amor assim nunca pode ser, ele nunca entendeu porque é que eu esperava por ti, ainda antes de te conhecer, a procurar-te incansavelmente em todos os errados que passaram.
Abriste a porta do quarto, o teu cheiro entra agora em catadupa por todos os poros do meu corpo e eu sorriu-me sem tu veres. Estou a ver os miúdos! Sei que me vais abraçar e por as mãos na minha barriga assim que chegares perto e que ele se vai mexer com o calor das tuas mãos...sempre quentes. Afinal, está dentro de mim, sente mais de perto todas as coisas que eu sinto por ti e que não sei enumerar. Às vezes dou por mim a arranjar motivos para o tamanho deste gostar. Claro que além das coisas óbvias, como tu seres o melhor pai que eu podia ter dado aos meu filhos, há o resto, o resto que eu não consigo exactamente explicar. Não há porquês definidos, razões especificas, check lists. Há só o teu maravilhoso conjunto de defeitos e qualidades, equilíbrio perfeito entre o que me desespera e encanta. Há a maneira como nos adaptamos um ao outro, o encaixe quase cósmico do teu corpo no meu, o sermos piores pessoas quando estamos separados em oposição das sinergias múltiplas quando estamos juntos.
Já estás aqui. Finjo que não dei por ti, que não te senti, mas a minha pele arrepia-se ainda antes de me tocares e trai a minha aparente indiferença. Mesmo quando eu não quero mostrar o meu corpo teimoso faz-me isto...acho mal e não tenho como evitar ou dizer-lhe para se comportar.
Os miúdos continuam a brincar, indiferentes ao sol que desce rapidamente. Acho que já sei como é que os fizemos tão bonitos...são nossos!
sábado, 2 de outubro de 2010
Criatividade

Entro pelo teu quarto a dentro sem te avisar. Não de maneira silenciosa como sempre faço, tipo gata em pezinhos de lã para te apanhar desprevenido e te beijar num lado qualquer, não. Entro alucinada, de forma intempestiva, desnorteada...literalmente passada da cabeça.
"Estou farta disto" digo-te eu. Encolhes os ombros a jeito de "o que e que queres que eu faça agora?". Passo-me ainda mais. Apetece-me abanar-te e gritar-te sem parar até te decidires, bater-te até perceberes, até admitires qualquer coisa que eu não sei o quê!
Admite porra. De uma vez por todas, resolve o que queres. Não é assim tão difícil, já não temos 15 anos.
Da minha instabilidade, que eu nunca sei se tu entendes ou não completamente o motivo, percebes apenas que tens de fazer alguma coisa que me acalme, senão isto hoje vai descambar. Falas do ar, da cor azul do céu, da música que sai do teu computador e de 450 mil coisas sem importância que te passem pela cabeça na altura. Eu tento não te seguir mas quando dou por mim já me perdi no porque de estar aqui. E tu ganhas 1-0.
Calas-te subitamente (percebes que já estás a conseguir), viras a cabeça de lado e olhas para mim com cara de puto. 2-0. Agarras-me a mão e puxas-me para ti para me fazeres calar de vez, quando eu falo já freneticamente sem nexo, sem concentração, sem saber o que digo. 3-0 game over.
Continuo irritada, passada, desnorteada. Continuo e vou continuar porque não consigo sair nem parar. Mas baixo os braços, perco a força e rendo-me, rendo-me a ti e a tudo neste momento. Olhas para mim desta maneira e eu faço aquilo que tu quiseres, a sério, tudo, porque assim já não consigo lutar, afastar-te ou pedir-te para desapareceres, não consigo! As ordens que dou ao meu cérebro perdem-se a meio caminho antes de chegar aos membros, ali pelo centro do corpo trocam-lhes as voltas sem eu controlar como.
Eu sei o que tinha para te dizer, sei que me devia ir embora e nunca mais olhar para ti nem desta maneira, nem de maneira nenhuma, que não te devia deixar fazer isto mais uma vez, pela milionésima vez, mas...talvez outro dia.
Subscrever:
Mensagens (Atom)