terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Criatividade #5


Não vejo Lisboa há mais de 5 anos.
A cidade da minha vida ficou para trás em detrimento de outros sonhos, outros mundos, outras vidas.

Saio do aeroporto sozinha, ninguém sabe que aqui estou. Na verdade, nem eu sei que aqui estou. Como tudo na minha vida, foi o impulso. Acordei de manha, olhei à volta e percebi que o meu trabalho ali estava feito. No entanto, ao contrario de tantas outras vezes antes, em que rumei a outro pais onde pudesse começar tudo outra novamente, desta vez cheguei ao aeroporto com a minha mochila e pedi para vir para casa.

É meio de Maio, o ar quente despenteia-me assim que as portas automáticas se abrem. Cheira ao mesmo, sabe ao mesmo...os autocarros são novos, amarelos, modernos!! Sigo até à paragem do 83 que antigamente, tal como agora noto, me leva na direcção de casa. Sento-me à janela para apreciar a viagem e penso em ti. Nas ultimas 16h não tenho feito outra coisa senão pensar em ti, nas saudades que tenho da tua voz, do teu sorriso e do teu abraço.

Nunca ninguém que abraçou como tu, sempre sôfrego, apertado, enorme. O meu tronco pequeno encaixado no teu peito como uma peça de Lego, a minha cabeça naquela covinha do teu ombro...é a última memória que tenho de Lisboa. E agora que finalmente voltei, sei que é por ela que aqui estou.

É dia de semana, posso assegurar pela poucas pessoas que estão a esta hora na rua. Lá de onde eu venho não há fins-de-semana ou dias de semana, as pessoas regem-se pelo nascer e pôr do sol, esperam apenas viver mais um dia no meio da pobreza e da doença, rezam por água, farinha e um milagre qualquer que lhes salve a vida dos filhos.

O sol salta de uma das colinas e faz-me piscar os olhos, o autocarro sobe e desce até me deixar finalmente em casa. A minha rua tem o mesmo movimento de sempre, talvez os vizinhos sejam diferentes? Ou o elevador já não seja de 1950?
Duas voltas à chave, abro a porta devagar e espreito. Sorrio. Claramente que a minha mãe vem cá com frequência. A casa cheira bem, a cama está feita de lavado apesar de ainda ter edredon e a minha roupa está impecável no armário, tal como eu a deixei para ir apenas um ano para África fazer voluntariado. De Africa passei para a América do Sul, de lá para a Indonésia e por fim para a Índia. Um ano facilmente passou para cinco, com a mesa rapidez que a minha mãe me deixou de perguntar quando voltava, os meus amigos esqueceram o meu e-mail e tu, o ultimo resistente apagaste-me porque já não podias esperar mais que eu descobrisse o que quer que fosse que andava à procura.

Pouso a mochila no chão. A mesma que levei, a mesma tu me deste antes de partir. Venho sem roupa ou qualquer outro objecto, deixo sempre tudo para trás quando me venho embora, a mim não me faz falta e houve pessoas que ficaram tão felizes.
Tiro uma toalha da gaveta ainda em piloto automático, entro no duche e tomo um banho rápido para tirar o cansaço da viagem. Abro o armário, não visto esta roupa há cinco anos, nem sei se ainda tem alguma coisa a ver comigo, ou se ainda me serve!
Calças de ganga, camisa branca, saiu de casa novamente com a minha mochila às costas.

Podia dizer que não sei onde vou, mas seria mentira. Sai da Índia para vir a tua casa. Por isso é que não disse nada a ninguém. Duvido até que alguém fosse compreender o porque de tamanha jornada. São quilometros que nunca mais acaba. E eu própria não compreendo o que é que me fez caminhar desta maneira até chegar aqui.
A noite está a cair quando entro a passo decidido pelo teu prédio a dentro. O porteiro cumprimenta-me como se me tivesse visto ontem "Boa tarde menina". Vacilo pela primeira vez. Olho para o relógio, claro que estás em casa. Sempre estiveste em casa a esta hora, é a tua hora sagrada antes do jantar. Entro no elevador, carrego no 7 e viro-me para o espelho. Vejo-te atrás de mim, a agarrares-me a barriga, a dares-me festinhas na cara, a beijares-me o pescoço e a pegares-me ao colo ainda antes de chegarmos lá a cima. Vejo a minha cara queimada do sol. Insegura. E se já não morares em casa dos teus pais? E se casaste, tens filhos, uma casa grande e um cão? Já não sei porque é que estou aqui...mas não vou voltar para trás sem descobrir. O elevador estremece, as mãos tremem-me, e as pernas também. Afasto a grade, e empurro a minha mão contra a porta fria. Não sei o que quero de ti, o que sinto por ti. Não sei nada...

Passado o que me pareceu ser uma eternidade, em que revejo tudo o que dissemos um ao outro desde a ultima vez que nos vimos, ponho o dedo na campainha. Espero. Ouço passos. A porta abre-se e tu estás à minha frente. 16horas da Índia aqui e tu estás à minha frente! O choque passa-te electrizante pelo corpo, não dizes nada. A mim, não me sai nada, mas pica-me o nariz das lágrimas que não deixo sair. Agarras-me a mão, puxas-me para ti e abraças-me como antigamente, como sempre.

Eu até sabia porque é que voltei. Voltei por isto, porque a agonia de mais um dia sem o teu abraço me pareceu impossível, porque não conseguia mais não te ver, não te tocar, não te sentir. Demorei 5 anos para perceber isto.
Viro a cabeça para a esquerda e encaixo-me na covinha do teu ombro. Caibo tão bem aqui...

2 comentários:

  1. B. adorei!!! tá fantástico! a simplicidade da transmissao dos sentimentos está muito boa!
    Parabens ;)

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  2. Gostei imenso, imenso. Fiquei até com o olhar nublado e fez-me lembrar de uma frase do High Fidelity que adoro: "It's a mystery of human chemistry and I don't understand it. Some people, as far as their senses are concerned, just feel like home."

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