sexta-feira, 17 de agosto de 2012

E com esta...

...I rest my case.

"Há uns tempos a Joana - Pai, acabei um namoro à homem. Perguntei como era acabar um namoro à homem e vai a miúda - Disse-lhe o problema não está em ti, está em mim. O que me fez pensar como as mulheres são corajosas e os homens cobardes. Em primeiro lugar só terminam uma relação quando têm outra. Em segundo lugar são incapazes de - Já não gosto de ti, de - Não quero mais, chegam com discursos vagos, circulares - Tu mereces melhor do que eu - Estive a reflectir e acho que não te faço feliz - Necessito de um mês de solidão para sentir a tua falta e aos amigos - Dá-me os parabéns que lá me consegui livrar da chata (...) e pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar (chichi, sede, fome, a janela de que se esqueceram de baixar o estore) ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas... que mania de ficarem agarradas à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo? (...) Mais dia menos dias começam a sonhar, elas com o Zorro, com o Che Guevara ou eles com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que lá se deitam e os outros dois com quem sonham. Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhe caia na sorte um caramelo que passe à frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persiana-mal-descida-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia (para citar noventa por cento dos escritores portugueses) - O problema não está em ti, está em mim a mexerem na faca à mesa ou a atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre. Não tenho nada contra os homens: até gosto de alguns. Dos meus amigos. De Shubert. De Ovídio. De Horácio, de Virgílio. De Velásquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável, a minha colecção. Não tenho nada contra os homens a não ser no que se refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde, idiota, desonesto. Fui (espero que não muitas vezes)." 

António Lobo Antunes

1 comentário:

  1. Às vezes não é fácil percebê-lo mas é muito bom ;). É um sr...ainda que arrabichado agora por uma mulher 36 mais nova...enfim...sabe muito, mas não deixa de ser um homem, e quando chegam a uma certa idade (que pode ser mais cedo para uns do que para outros...) já não querem saber, já só não querem morrer sem fazer o que lhes apetece, só porque sim.

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