Pela primeira vez fiquei a pensar se não deveria ir, estar lá, manifestar-me, lutar. Prende-me o pensamento desde hoje de manha a decisão de não ir, o sentimento de que algo não esta certo em não ir, quando acredito na causa e acho que estas medidas vão ser muito difíceis para muita gente e para mim, inclusive.
Mas a realidade é que não acredito em manifestações, da mesma maneira que não acredito em greves. Não acho que faça diferença, nem que seja por isso que vai mudar alguma coisa. E então? O que é que muda alguma coisa? Pergunta que me faço incessantemente.
Neste caso em concreto nem sei se há alguma coisa que se possa mudar, algo que se possa fazer. A divida tem de ser reduzida, os salários contidos, a despesa apertada! Nos últimos 20 anos os nossos pais gastaram à tripa forra (uns pais mais que outros, é certo), gastaram o que tinham e o que não tinham, viveram no tempo das vacas gordas, contraíram créditos para as férias, a casa de campo, o carro, a televisão e a torradeira, nunca perguntaram que Europa era essa de onde vinha o dinheiro, nem o que é que se fazia com ele. Não se manifestaram pela péssima justiça que temos, pela educação, saúde, corrupção, pelas obras de dinheiro afundado que nunca irão gerar um tostão na vida, pela agricultura ou industria que tínhamos tão boas antes do 25 de Abril, não quiseram saber o que podiam fazer pelo país e gastaram apenas, não se lembrando que um dia poderia acabar e nós, seus filhos, iríamos ter de, não só trabalhar mais porque eles não nos deixaram nada, como assumir as suas dívidas.
Não acho que seja justo, não é de todo o que estou a dizer, mas o que é facto é que o buraco existe e manifestarmos-nos não vai fazer com que ele desapareça. Não adoro especialmente o PPC, mas acho que senão fosse ele, era outro similar e independente de partido a ter de tomar estas medidas. Acho ainda menos (e ouço tanta gente parva a dizer isto) que devêssemos ser como os gregos que vão para rua incendiar coisas e "eles sim é que levam os seus direitos para a frente"...burrice, só destroem ainda mais valor, que um dia alguém vai ter de pagar.
Então a minha pergunta é, o que é que podemos fazer para daqui a 5 anos não estarmos a viver como miseráveis? Bolas, estou a fazer um curso para ter mais formação, alimento-me de atum e salsichas há meses, e sinceramente não sei como é que vai ser!!! Daqui a 5 anos não quero estar neste lodo e admirem-se, eu não quero emigrar. Ninguém sai deste país a não ser por dinheiro, isto é espectacular, as praias, as cidades, é lindo. Está aqui a nossa família, amigos, não faz sentido emigrar...a não ser por dinheiro (que é uma razão tão válida como outra qualquer).
E a minha resposta jaz em sítios muito diferentes da Avenida da Liberdade a esta hora.
Primeiro, temos de saber o problema, exigir que nos digam qual é o buraco verdadeiro (sim, porque eu sei estatística, e é assim, se dizem 6% a realidade vai lá mais para os 8%), saber as medidas todas que vão ser tomadas, o porquê das que não vão ser tomadas e que outras opções temos. Para isso talvez fidelizar-nos a um partido politico? Qualquer um, esquerda ou direita não interessa para o caso. Ouvirmos quem sabe politica, informarmos-nos, perdermos o nosso tempo a querer saber, para quando falarmos, sabermos o que dizemos. E quem sabe, pode ser que alguém, nesta busca de conhecimento sobre o estado do país, consiga pensar noutra medida que não nos custe tanto (a nós individuais, com contas para pagar no final do mês e salário esticado até ao limite).
Segundo, havendo alguma coisa para fazer diferente ou não havendo, temos de cumprir a porcaria do acordo com a Troika. Neste caso apenas uma coisa tenho como certa, é mau com eles, mas será de certeza pior sem eles.
Terceiro, pararmos de comparar o nosso caso com outros. É a Irlanda que fez isto e aquilo, é a Islândia que fez isto e aquilo. São mitos urbanos sobre culturas muito diferentes da nossa, o que resultou no caso deles não quer dizer que resultasse no nosso caso. Se podíamos tentar, se calhar podíamos, mas para isso precisávamos de saber, de dar a ideia, de arranjar seguidores da ideia, e discutir a aplicabilidade dela...tudo pode ser feito. Mas dá trabalho.
Quarto, parar de falar dos ricos e como eles é que deviam pagar esta crise e como foram os bancos os responsáveis, e bla bla bla...lamurias. Sim, de facto se o Cristiano Ronaldo (ou qualquer outra pessoa muito rica) transferisse para os cofres do Estado metade do ordenado todos os meses, ia ajudar muito. Se as grandes famílias fossem chamadas (que é como quem diz obrigadas) a dar parte do seu dinheiro ao país, ia ser muito mais rápido, mas se acho justo?? Não, não acho. De melhor ou pior maneira cada um ganhou o seu dinheiro, dinheiro que é deles e se pensarmos bem, se o dinheiro fosse nosso, haveria tanta coisa que não nos sairia pela boca fora, tanta! E a isso eu chamo hipocrisia e inveja. Muito feio. Agora, se eu acho que eles devem ter um imposto maior, ser os primeiros a ser chamados quando necessário e a contribuir na proporção do que ganham (na realidade e não na ficção das declarações de IRS), sim, acho. E também acho que há muita culpa dos bancos e do seu incentivo ao uso de crédito. Mas somos todos livres, e ninguém obrigou ninguém a comprar aquilo que não podia com o dinheiro que não tinha. Isso é certo.
Vai longa mais uma pequena opinião sobre a nossa situação actual. E vou terminar dizendo que como nos encontramos agora, há apenas algumas pequenas coisas que nos vão ajudar: trabalhar, muito, acima de qualquer outra coisa, deixar a Casa dos Segredos a morrer sem audiências, pegar em livros e aprender, esforçar, ter ideias, produzir, ver se andamos com este país para a frente!! Não desmotivar, arriscar, reivindicar com conhecimentos nas horas certas (antes das decisões tomadas), não deixar morrer processos na justiça, sair corruptos impunes, obras estúpidas, investimentos parvos que para nada servem, e acima de tudo, lutar. Lutar com as armas certas, senão para por este país a andar para a frente (motivação insuficiente para muitos), para ficarmos junto dos nossos que se vão embora à procura de outras coisas melhores.