sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Criatividade #3

(Porque ontem a K. disse para tentar, vai no seguimento disto)

Nunca percebeste que te quis dar o mundo.

Dos 20 anos que vivemos juntos, e que para mim foram os melhores, os maiores, os mais bonitos e felizes, nunca percebeste que eu só te quis dar o mundo.
O meu mundo, aquilo que eu acreditava ser o melhor para ti, para nós, para aquilo que queríamos construir. A verdade é que o meu mundo não chegava para ti, era demais, sempre foi demais tudo o que te quis dar, tudo o que te dei.

20 anos de vida, 20 anos de doação plena e tu, inconsciente. Inconsciente da dimensão do meu amor por ti apenas porque eu nunca disse. Perdoa-me se achei que as vezes que olhava para ti a dormir, o jantar todos os dias na mesa, a tua revista preferida na mesa de cabeceira, a toalha mais fofinha no cabide, os silêncios durante os teus programas preferidos eram mais que suficientes para perceberes. Não, perdoa-me a sério, por não ter posto em palavras aquilo que os meus gestos diziam diariamente.
Mas a culpa foi minha. Fui avisada desde pequena pelos mais velhos que amar demais é errado. Esqueceram-se foi de me avisar que alem de errado era uma luta inglória dar o nosso mundo a alguém que não nos que dar o seu de volta.

Não quero que voltes. Não adianta vires apelar aos filhos e aos anos de vida em comum. Não adianta porque eu só quero que te vás embora, que desapareças da minha vida para eu recuperar o meu mundo e quem sabe, depois de todos estes anos tristes, dá-lo finalmente a alguém que mereça.
Não me interpretes mal. Não te desejo mal, miséria ou infelicidade. Pelo contrário, desejo-te tudo de bom o que alguém possa desejar a outra pessoa, mas longe de mim.
Sei que se ficares eu posso ceder, que me intoxicas como sempre fizeste desde a primeira vez que te vi entrar pelo café da rua a dentro, sorriso nos lábios como se o mundo fosse teu, pose de quem sabe o que diz e os olhos, os olhos mais profundos que alguma vez vi. Foram eles que me fizeram ficar tantas vezes, eles que te traíam quando tu apenas achavas que o silencio era suficiente para me calar.

E não é que me tenhas tratado mal durante estes anos de vida em comum. Não trataste. Apenas não me deste o teu mundo, não fizeste de mim a tua pessoa. Eu sabia no dia em que casamos, sabia e achei que mudavas, achei com a infantilidade dos 19 anos que o meu amor chegava para os dois. Tantas lágrimas depois percebo que não, percebo que até quando te esforças para pensar em mim, é sempre isso, um esforço. Não és tu, não te é simples como respirar, não te sai naturalmente.

“O que é que queres mais?” perguntas, quando eu te tento explicar isto juntamente com as malas à porta. Apenas te posso dizer que quero uma coisa que não me podes dar. Nunca pudeste. É só pena eu ter percebido isso tão tarde.
Tarde, mas não demasiado tarde.

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