sexta-feira, 29 de maio de 2020

Diagnósticos

Para que é que servem os diagnósticos? Provavelmente para ser mais fácil de aceitar e desculpar.

Eu não cuido de uma mãe que sempre fez o que quis e se teve nas tintas para mim a vida toda, só pensando nela, nos seus desejos e caprichos. Não! Eu cuido de uma mãe doente. Física e mentalmente doente. Trato das contas, garanto que há pessoas suficientes há volta dela para ajudar, mantenho a casa com comida, sou encarregada da educação do meu irmão menor, cuido da saúde dele, da alimentação, da roupa, de andar em cima das companhias e explicar-lhe as "intrinsecancias" da vida. E tudo isso a 1800 km de distancia, de outro pais onde decidi que iria morar longe de tudo e todos para ter alguma paz emocional.

E não faço isso por pena, obrigada, ou porque é a minha mãe. Faço isso porque se eu não cuidar dela ninguém vai cuidar. Faço isso para garantir que o meu irmão também o há-de fazer (as crianças educam-se por exemplo), e para lhe dar a ele as mesmas hipóteses de sucesso que eu tive, porque tinha o meu pai como ancora, pilar absoluto e único na minha vida.

Não cuido todos os dias de cara alegre. Há dias duros, em que tenho 1000 problemas que não são meus para tratar com toda a carga emocional que isso trás. Tratar dos problemas dos outros é inglório, porque não há muito controlo sobre eles. A minha mãe continua a fazer o que quer, e eu nem sempre concordo com ela, apesar de ser a pessoa responsável.

Tenho pensado muito mais sobre o que é que quer dizer o diagnóstico. Depois de o poder antever também para mim, mesmo como hipótese remota, passei a encara-lo de outra maneira. E até certo ponto está a ajudar-me a desculpar algumas coisas.
Acho que o meu pai entendeu muito mais rápido que eu, o que é que o diagnostico da minha mãe queria dizer. Ele olhava para ela com suavidade e carinho, não lhe repreendia os erros, mas repreendia-me a mim quando eu não tinha paciência. Dizia "ela é tua mãe", o que me irritava muitíssimo porque só isso não devia desculpar tudo. E quando ela me magoava mais do que ele conseguia suportar, ele pedia-me desculpa. Desculpa por a ter escolhido para minha mãe (como se as coisas fossem assim tão simples).
Naqueles últimos dias em que estivemos juntos, ele pediu-me desculpa por estar doente. Por mais que uma vez me disse "tens a tua mãe doente e agora também eu estou, desculpa". E eu dizia-lhe que não, não havia nada para desculpar, doenças acontecem. E não havia nenhum outro local onde eu quisesse estar senão naquele hospital ao lado dele.
Olhando de agora vejo como culpei a minha mãe das doenças dela, enquanto que o meu pai nunca teve culpa nenhuma. Ligeiramente dois pesos e duas medidas, pode-se dizer. Mas ele é a minha ancora afinal de contas, sempre foi, e por isso nunca poderia ser culpado de nada.


Sem comentários:

Enviar um comentário