A primeira vez que pensei em sair de casa tinha 12 anos. Cedo, eu sei. Mas a instabilidade emocional tem destas coisas, rapidamente percebemos quão mau é e que a única maneira de fazer parar, é desaparecer. Mas nessa altura não percebia as coisas como percebo agora. Só queria refugio e um escape que até, nessa altura sabia que não existia. Estava sozinha. E disse para mim mesma, quando tiveres 18, até lá não podes porque a lei não deixa.
Aos 15, e se exatamente onde estava, num campo de basquete ao pé de casa, com a J. depois de mais uma loucura qualquer e muitos gritos. Tinha o meu porta chaves na mão, uma coisa gigante com um peluche de morango entre outro. E caiu-me a ficha que os 18 anos em que me agarrava como porta para a liberdade não eram atingíveis. Já percebia o que era dinheiro, que se fosse trabalhar não ia conseguir estudar e acima de tudo já percebia que não ia conseguir manter a minha vida se decidisse sair de casa. E apesar de tudo, eu gostava das partes boas da minha vida demasiado para abdicar delas. Nessa altura coloquei outra meta; depois de acabar o curso, assim que começar a trabalhar.
Continuava sozinha, nunca sequer me passou pela cabeça contar a alguém o que se passava ou o que é que sentia. Passava dias e dias em casa da minha avó, mas oficialmente morava em casa. Passava dias e dias em casa de amigos, mas oficialmente morava em casa. Toda a gente achava que eu só gostava de sair, beber e passear e eu não negava. Para quê?
E então engoli, aguentei, fiquei, esperei, ansiei, sonhei e compartimentalizei toda a dor e desconforto. Todas as mentiras, loucuras, manipulações e culpa que me punham em cima. Tudo debaixo da capa que escondia toda a minha vulnerabilidade, insegurança e fraquíssima auto-estima. Podia um dia partir, mas nunca ia vergar.
E um dia chegou a hora, finalmente. E aqueles meses em que procurei casa, em que sabia de mim para mim que faltava pouco. A mudança, o viver finalmente sozinha...não foi perfeito. Não houve um final feliz, afinal, porque a culpa de ter saído e deixado o meu irmão para trás não deixava.
Já nessa altura devia ter percebido que não há um grande plano nem finais felizes. Não há coincidências e o sofrimento do passado não garante não sofrimento no futuro.
Mas tudo isto eu já sabia, nada do que está aqui era novidade, mas a tristeza sobre o mesmo tema foi inesperada.
Ela vai estar sempre aqui.
Voltamos sempre para o que conhecemos.
Os ciclos repetem-se e repetem-se em espirais infinitas.
Até um dia.
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