quinta-feira, 5 de julho de 2018

Dexter

Segundo dia hoje. O meu gato morreu há dois dias, ou melhor dizendo, eu tive de matar o meu gato há dois dias (se é que faz alguma diferença, já nem sei). Num momento estava aqui, deitado à janela e de repente já não estava mais. 
Um vazio cá dentro. Um vazio na casa, na janela da casa de banho, no silencio atrás da porta fechada, na caixa de transporte ainda no hall de entrada. Uma dor horrorosa que não tem por onde fugir sem ser pelos olhos.

Os animais são família, conforto nos dias tristes, risadas, ronronares a meio da noite, mimos no sofá. A nossa vida em conjunto foi feita de momentos especiais (levei-o para o meu casamento, afinal de contas!) e de quotidianos, atividades repetidas de aparente pouca importância, mas que na soma de todos os momentos, os que mais me vão trazer saudade.

Sabia que este dia ia chegar, os animais vivem sempre menos em teoria, mas achei que tinha muito tempo (um erro quase comum), muito mais tempo do que o que tive, isso é certo. Os gatos duram pelo menos 15 anos, este tratado a sopas e pão de ló, duraria certamente 18 ou mesmo 20...que erro tão crasso! Um gato como o meu não poderia durar tanto, não seria natural. Um gato que mais parecia um cão de tão bonzinho que era, que nunca mostrou as unhas, ou bufou, não era um gato comum. Era o meu e por azar era doente.
Ele tinha de morrer cedo. Um gato tão querido não podia durar muito.

Tive um ano para me preparar para a morte dele e não estava preparada. Não quis pensar sobre isso, recusei-me a ver o óbvio, que acontecia todos os dias diante dos meus olhos. Uma prostração anormal, um cessar de qualquer tipo de brincadeiras, a ausência constante no tapete da sala.
Só espero não o ter feito sofrer. Só espero que a minha teimosia em mante-lo vivo, á base de comprimidos e biscoitos dados na boca se tivesse de ser, não o tenham atormentado até ao fim.

E agora olho para os sítios onde ele costumava estar e ele não está. Olho para a arranhadela que ainda tenho no braço, a ultima feita na despedida sem querer, e penso que nunca mais o vou ver.  A garganta fechasse neste nó de tristeza que só sai quando sair, porque a tristeza é assim mesmo.

Hoje pedi para tirarem e limparem as coisas dele daqui de casa. Não o conseguia fazer eu. E então hoje pela primeira vez, cheguei a uma casa sem vestígios de gato, sem comida espalhada pelo chão, pedras soltas e pelos pelo ar. E confesso, não queria chegar a esta casa, queria chegar a minha casa e a a minha casa tem um gato. Ponto final.

O animais fazem parte da família e o meu foi a coisa mais querida do mundo. O melhor gato que poderíamos ter tido. Só queria que o tivéssemos tido mais tempo. Só isso.
Mas como não tivemos, agradeço todos os ronronares, todas as lambidelas às 6 da manha, todos os olhares (pouco) ferozes quando o escovava, todas as vezes que me deitei no chão a dar-lhe festas na barriga e que sai atrasada para ir trabalhar. Agradeço ter-me deitado no chão todas as vezes e ter brincado tudo o que podia. Agradeço não o ter enxotado da cama porque era cedo, não ter fechado a porta para fazer xixi em paz e não lhe limitar o espaço.
Agradeço tudo na verdade, porque depois da tristeza passar, o amor vai ficar. E esse ninguém mo pode tirar.

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