O M. não consegue perceber o que aconteceu ao avô.
Eu expliquei que ele morreu, expliquei o que é morrer, o que é que fisicamente isso quer dizer e ele não percebe o conceito. Depois de muito lutar contra dizer as coisas comuns em que eu não acredito, aceitei dizer que ele tinha ido para ao céu. Nonsense, o avô não tem asas mamã.
Hoje queria que ele voltasse para casa, a tia M. estava com saudades dele e ele tinha de voltar para casa. E eu bem lhe dizia que o avô estava bem, onde quer que estivesse e ele contrariava-me. Não está em casa, não pode estar bem. Mas ele não consegue voltar dizia eu, se ele conseguisse ele voltava. Incompreensão, foi tudo o que vi naqueles olhinhos pequeninos.
E facas, a torcerem-se no meu peito ao mesmo tempo que tentava manter o discurso coerente para ele. E a controlar as lágrimas para ele não ver, porque cada vez que ele fala do avô já me diz que sabe que eu fico triste...
Medo deste ano. Medo que alguma coisa lhe aconteça a ele e que o meu mundo acabe. E a morte que não me larga, a ideia da morte, a sensação da morte, o fosso entre isto aqui e agora e o ultimo dia em que vi o meu pai. E a vontade suprema de ter fé e acreditar que o vou voltar a ver, um dia, algum dia quando eu própria morrer. E a consciencia total que a fé não é racional e que por mais que eu queira racionalmente acreditar, porque acreditar é mais fácil, só ouço vazio do outro lado.
A fé não pode ser racional porque senão não é fé, e não se pode pedir para ela aparece só porque tudo se tornaria muito mais fácil de suportar. Quão feliz eu era se soubesse que o iria ver outra vez, nem que fosse daqui a 60 anos! As conversas que iríamos ter, tudo o que guardo ainda inconscientemente para lhe contar numa qualquer chamada de video, daquelas que fazíamos só porque sim durante o dia. Mas quem acredita, sente nos ossos, e eu há muito tempo que deixei de acreditar, que deixei até de acreditar que um dia poderei voltar a acreditar. E por isso só há silencio do outro lado. Nada. Vazio.
Tudo o que há está na minha cabeça, nas minhas memorias, nos meus sonhos. E se eu um dia me esquecer? E se quando esta dor passar, eu me esquecer da mão dele na minha, do abraço, da barriga onde eu apoiava a cabeça quando víamos filmes no sofá? Quero que pare de doer, quero não me esquecer, quero acreditar que se pode ter um sem ter o outro, apesar da experiência me dizer que não pode ser assim.
Quero salvar este ano com amor, projectos, viagens. Ainda faltam 5 meses, recuso-me a dar este ano por perdido. Não sei quantos mais vou ter.