sábado, 9 de outubro de 2010

Criatividade #2


Olho para ti e não sei já há quantos anos entraste na minha vida. Quando é que eu te deixei entrar? Quando é que quiseste ficar? Como é que de repente construimos isto tudo juntos?

Sentada do alto da varanda do nosso quarto na cadeira de baloiço da minha avó, agarrada à minha barriga gigante, vejo-os a brincar na piscina e a saltarem do escorrega...exactamente as mesmas brincadeiras que eu fazia em miúda. Como é que os fizemos tão bonitos?

Ouço os teus passos vagarosos a subirem as escadas de mármore, um a um. Como sempre acontece quando sinto que te vou ver (mesmo depois destes anos todos) o meu coração dá um solavanco. Já não pára como antigamente acontecia (acho que isso é normal), no entanto, existe sempre este descompasso, ele sabe sempre que vais aparecer, mesmo que eu ainda não te tenha visto. Deve ser o teu cheiro. Tens um cheiro maravilhoso que me intoxica, característico e que só encontro em ti e nas coisas que tu tocas, em mais lado nenhum. Acredita, eu procurei mil vezes enquanto namorámos (achei durante meses que era o amaciador da roupa que a tua mãe usava) e outras tantas, nas vezes em que nos deixámos "para sempre", durante poucas semanas ou dias.

Entraste agora no corredor de madeira, o teu cheiro vem misturado com o dos livros antigos, aqueles de capa de pele que eu já li um por um, e que agora abro só pelo prazer de reler as passagens marcadas a lápis. Como é que eu consigo gostar tanto de ti? Não é possível isto ser normal. Por outro lado, eu nunca fui normal...e nem tu. O meu pai, do alto da sua sensatez (cada vez maior com a idade), diz que um dia este amor ainda vai acabar comigo, que quando olhamos um para o outro o mundo pára, e que não pode ser! Para ele um amor assim nunca pode ser, ele nunca entendeu porque é que eu esperava por ti, ainda antes de te conhecer, a procurar-te incansavelmente em todos os errados que passaram.

Abriste a porta do quarto, o teu cheiro entra agora em catadupa por todos os poros do meu corpo e eu sorriu-me sem tu veres. Estou a ver os miúdos! Sei que me vais abraçar e por as mãos na minha barriga assim que chegares perto e que ele se vai mexer com o calor das tuas mãos...sempre quentes. Afinal, está dentro de mim, sente mais de perto todas as coisas que eu sinto por ti e que não sei enumerar. Às vezes dou por mim a arranjar motivos para o tamanho deste gostar. Claro que além das coisas óbvias, como tu seres o melhor pai que eu podia ter dado aos meu filhos, há o resto, o resto que eu não consigo exactamente explicar. Não há porquês definidos, razões especificas, check lists. Há só o teu maravilhoso conjunto de defeitos e qualidades, equilíbrio perfeito entre o que me desespera e encanta. Há a maneira como nos adaptamos um ao outro, o encaixe quase cósmico do teu corpo no meu, o sermos piores pessoas quando estamos separados em oposição das sinergias múltiplas quando estamos juntos.

Já estás aqui. Finjo que não dei por ti, que não te senti, mas a minha pele arrepia-se ainda antes de me tocares e trai a minha aparente indiferença. Mesmo quando eu não quero mostrar o meu corpo teimoso faz-me isto...acho mal e não tenho como evitar ou dizer-lhe para se comportar.

Os miúdos continuam a brincar, indiferentes ao sol que desce rapidamente. Acho que já sei como é que os fizemos tão bonitos...são nossos!

2 comentários:

  1. Capturaste a essencia do que é a minha vida famíliar. Obrigada por me relembrares a minha terceira gravidez...

    Um abraço,
    Sofia

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