segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A dor ocupa muito espaço

Uma cabeça emocionalmente cheia fica mais desorganizada.Nunca antes deste ano percebi com tanta força a importância de um prato cheio, nem quanto a parte emocional pode encher o prato. Posso literalmente nao ter nada para fazer e sentir-me a rebentar com tudo dentro da minha cabeça.

Acho que a dor ocupa muito espaço, sinceramente. 

Ontem o N. estava a ver vídeos antigos com o M. na sala e eu estava na cozinha a arrumar umas coisas quando ouvi a voz do meu pai. Foi um segundo depois do M. ter gritado "Avô" que o N. desviou o assunto na esperança que me tivesse passado despercebido. Foi um segundo que me atingiu como um raio de dor que me deixou K.O. na hora a seguir. A sequência de eventos no cérebro, desde a voz dele, passando pela saudade de não o ouvir há meses, e acabar na dor horrorosa de o saber para sempre desaparecido.

O M. hoje, quando lhe disse que vamos passar o fim de semana a Lisboa, perguntou imediatamente pelo avô. E depois disse, que já sabia que ele não estava lá e que estava no hospital. O hospital foi o ultimo sitio onde ele o viu por FaceTime. Mantive a conversa em tom casual e disse-lhe que achava que devíamos manter o avô no nosso coração, se podia ser assim (dado que a opção "no céu" ele não aceitou). E depois ele disse-me que o avô não lhe disse a verdade, que não disse que se ia embora. E eu tive de lhe explicar que o avô também não sabia, que foi tudo muito depressa. Foram 5 minutos de conversa à chegada a casa, e ele pelo meio diz coisas atabalhoadas de como quem tem 3 anos e vive parcialmente no seu próprio mundo. Tento manter-me de cara seca a falar com ele, em tom neutro, como senão me tivessem a dar marteladas no coração ao mesmo tempo. Acho que emocionalmente os últimos meses foram difíceis para mim e por mais que tenha tentado não passar isso ao M. ele sente. Ele sente-me triste e muitas vezes ausente e tenta puxar-me para ele, pedir atenção, puxar a corda. E eu tenho, em modo piloto automático e sem controlo, feito o meu melhor, mas quando olho para trás percebo que ficou aquém, não grave, mas não consegui ser nos últimos vezes como era antes.

Alias acho que já referi isto antes, não faço ideia ainda o quando a perda do meu pai me mudou, mas sei que não vou voltar a ser a mesma. Não quero, nem posso. Mas apesar de diferente, quero ser evoluir, melhorar, ser sempre alguém que encheria o meu pai de orgulho.

Vou dormir. A dor já tomou conta, por isso o melhor mesmo é descansar.

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